quinta-feira, 21 de junho de 2007

Truth & Tolerance II

Muito boa essa entrevista de Marco Meschini, historiador medievalista e professor da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão, publicada pela Agência ZENIT na semana passada, tratando das diferenças entre as Cruzadas e a Jihad islâmica: Em que sentido a “jihad” e a cruzada são “guerras santas”? Meschini: Por “guerra santa” entendemos uma guerra com dois elementos característicos: para quem adere a ela, é uma guerra dirigida por Deus por seus legítimos representantes; em segundo lugar, participar dela abre as portas do Paraíso. No caso da jihad se deve recordar uma passagem do Alcorão fundamental: “Combatei contra aqueles que, tendo recebido a Escritura, não crêem em Alá nem no último Dia, nem proíbem o que Alá e Seu Enviado proibiram, nem praticam a religião verdadeira, até que, humilhados, paguem o tributo diretamente!” (9, 29). É Alá quem quer a “jihad”, Alá é santo, portanto a “jihad” é santa, uma guerra santa. Pelo que se refere ao segundo aspecto - a entrada no Paraíso -, é preciso recordar um “hadit” (um pensamento de Maomé com valor normativo): “Sabei que o Paraíso está à sombra das espadas”. Também, o “mujahid”, o “combatente da jihad”, em caso de morte é considerado um “mártir”, “shahid”, “testemunha”, o mesmo sentido literal da palavra grega “martyr”, “mártir”. É considerado tão santo que seu corpo não deve ser lavado antes da cremação, como prescreveria a lei islâmica, e pode inclusive transpassar parte da própria santidade aos parentes.
Você, contudo, considera que “cruzada” e “jihad” são “assimétricas”. O que as distingue? Meschini: Também a cruzada - para os cristãos da Idade Média - era querida por Deus, no sentido de que os Papas a pregaram, ligando-a à remissão das penas e os pecados cometidos pelos participantes. E o grito de batalha dos cruzados era: “Deus o quer!”. Uma primeira assimetria é justamente esta: a “jihad” abre diretamente as portas do Paraíso, a cruzada não, porque se entende como parte do processo que pode conduzir ao homem pecador ao Paraíso. Mas há, contudo, outras assimetrias maiores. Sobretudo, a “jihad” é tanto defensiva como agressiva, ou seja, instrumento de difusão da religião islâmica que - recordemos - significa “submissão” a Alá. A cruzada, ao contrário, nasceu só depois de mais de um milênio de cristianismo e com um objetivo limitado: recuperar Jerusalém e a Terra Santa, injustamente ocupadas pelos muçulmanos. Mas é preciso acrescentar que, no curso de uma história plurissecular, houve também cruzadas de expansão, ainda que sem que a idéia original se perdesse completamente.
Você também considera que a “jihad” é co-essencial ao Islã, e afirma que a “cruzada” não é para o cristianismo. Meschini: É a assimetria mais radical. Como disse, a guerra santa é uma prescrição corânica - e o Alcorão é a Palavra de Alá, eterna e imutável - praticada por Maomé e dotada de toda uma série de regras acessórias. Ainda hoje, para todos os islâmicos, a “jihad” é o “sexto pilar” do Islã, ou seja, um dos preceitos que constituem a identidade de sua religião. Vice-versa, não existe nenhum texto sagrado cristão que fale de uma guerra semelhante, nem o modelo, que é Cristo, a prevê, ao contrário! Por isso, a cruzada, certamente surgida em um contexto cristão, não precisa se repetir em outros contextos cristãos; nem tem a ver com o “kerigma”, “o núcleo” da revelação cristã. Falar de “jihad” e cruzadas hoje não implica o risco de tornar mais difícil o diálogo entre cristianismo e islã?
Meschini: Qual é o objetivo do diálogo? Eu penso que é conhecer-se melhor e, se é possível, chegar a um nível superior de verdade. Portanto, a verdade, ou ao menos a honestidade intelectual, é uma premissa, ou melhor, uma condição irrenunciável do diálogo. Por isso, eu quis desmascarar alguns comentaristas que, após contorções verbais, tentam camuflar a verdade histórica, jurídica e teológica ligada ao tema da “jihad”. O que queria dizer o Papa em Ratisbona quando falou do discurso de Manuel II Paleólogo sobre estes temas? Meschini: Bento XVI foi muito claro: a fé e a verdade podem ser propostas e difundidas só de intelecto a intelecto e de coração a coração, em um mútuo intercâmbio de razão e credo. E, portanto, expandir a própria religião “com a espada” é uma monstruosidade antitética ao “Logos”, à Razão, ou seja, a Deus. E a violenta reação de tantos às suas palavras foi - dramaticamente - uma involuntária, mas “perfeita” resposta de confirmação a seu discurso.

2 comentários:

Renzo disse...

Parabéns pelo blog! Esta sendo uma ótima ferramenta e fonte de notícias para o nosso tão esperado Motu Proprio.
Abraços!

Pascal Baylon disse...

Renzo,
Obrigado e volte sempre.
Um abraço,
P.B.