segunda-feira, 12 de março de 2007
Missale Romanum
Outro dia alguém me perguntou se eu era católico praticante. Fiquei um tempo pensando se haveria algum outro modo de ser católico, e depois disse que sim.
"Ah, então você tem que ir à Missa?"
Fiquei outro tempo pensando em como eu iria explicar que os sacramentos são dons gratuitos destinados à nossa salvação, por amor de Deus à humanidade. Que seria no mínimo estupidez fazer pouco caso deles, mais ou menos como tocar fogo no bote salva-vidas quando o navio está prestes a afundar. Que, entre todos, a Eucaristia instituída por Cristo na Última Ceia é o centro da vida cristã, e que, como católico, eu acredito na Presença Real: em como explicar que, por algum modo sublime e misterioso, aquela hóstia recebida na comunhão não é um simples pedaço de pão, mas verdadeiramente o Corpo de Cristo, e que o vinho consagrado também é verdadeiramente o Seu Sangue. E que por isso o sacrifício do Calvário é renovado a toda e cada Santa Missa celebrada, ou seja, que Cristo está ali, morrendo novamente por você, e você simplesmente não quer estar lá?
De modo que naquele momento eu fiquei meio sem jeito e respondi apenas que não conseguia imaginar porque alguém iria obrigado à Missa. A conversa tomou outro caminho e fui embora pensando em tudo aquilo, em como, mesmo entre católicos, poucas pessoas têm hoje em dia uma noção exata do sentido sobrenatural que envolve o sacrifício da Missa, um senso do próprio Mistério. E não posso deixar de ter a mais absoluta certeza de que os abusos na liturgia são o grande culpado por esse descolamento da realidade religiosa.
A ambigüidade do Concílio Vaticano II – especificamente na instituição do Novus Ordo - abriu a possibilidade de verdadeiras profanações e, com isso, da perda total do sentido da Missa. São as danças, as palmas, as músicas profanas – já condenadas em documentos recentes do Vaticano (a Instrução Redemptionis Sacramentum; a Encíclica Ecclesia de Eucharistia) -, o desdém de muitos padres na hora da Comunhão, a politização das homilias, a transformação da "Paz" em um evento interminável, onde as pessoas se abraçam e se beijam, enfim, diversos fatores que apenas confundem os fiéis, dando a entender que o sacrifício da Missa é apenas uma grande festa da comunidade. Nada mais. O sentido do Mistério fica completamente descartado, em troca de uma celebração materialista onde se fala de tudo, menos da salvação das almas.
Eu penso na verdadeira devoção dos Santos pela Santa Missa e fico imaginando o choque que essa "protestantização" lhes iria causar. O Padre Pio (São Pio de Pietrelcina), que teve a graça de receber os estigmas de Cristo, chorava e sofria durante toda a celebração que realizava, e, ao ser perguntado como deveríamos assistir à Missa, respondia: "Como assistiram a Santíssima Virgem e as piedosas mulheres. Como assistiu S. João Evangelista ao Sacrifício Eucarístico e ao Sacrifício cruento da Cruz". E você sambando? Batendo palmas?
É por isso que a preservação da liturgia é a preservação do próprio Mistério da Cruz. A preservação da realidade da Paixão. Mas a morte não é assunto muito popular. "Espanta fiéis". E esse véu sobre o sofrimento acaba se tornando também um véu na consciência sobre a própria Verdade.
Mas o fato é que falar dessa preservação litúrgica significa falar na Missa Tridentina, promulgada pelo Concílio de Trento em 1570, quando foram unificados os ritos sacramentais da Santa Missa utilizados pela Igreja desde os primórdios do Catolicismo, até o Vaticano II. É impossível deixar de imaginar que, se houvesse uma máquina do tempo e alguém se dispusesse a voltar para, vamos dizer, Nicéia em 780, Florença em 1368, ou, mais recentemente, Coréia em 1950, provavelmente assistiria à mesma celebração. E como não ver beleza nisso?
O Santo Padre, Papa Bento XVI, vem anunciando a liberação irrestrita da Missa de sempre - assim declarada e garantida por São Pio V na Bula Quo primo tempore -, com intenção de facilitar uma celebração que atualmente necessita da autorização – na maior parte das vezes recusada – do Bispo local. E liberar a Missa Tradicional significa possibilitar ao maior número de pessoas a mais perfeita forma de expressão da Fé na Sagrada Eucaristia, uma garantia contra profanações, o acesso a um tesouro cultural da humanidade, a coibição a liberdades pessoais de ortodoxia duvidosa, significa prover senso de Mistério e do sobrenatural, a restauração da humildade e reverência (resguardando a consciência da Presença Real), e, por tudo isso, significa mesmo um retorno à continuidade litúrgica, com toda a sua riqueza teológica. É a possibilidade de estender a muitos a oportunidade de participar do Santo Sacrifício, tal como foi sempre celebrado.
De outro lado, é evidente que a nova Missa constitui sacramento válido e que pode chegar a proporcionar um sentido sobrenatural do Mistério, sem deturpação. Basta assistir ao rito novo celebrado em latim – como faz o Opus Dei, por exemplo -, ou à celebração solene de alguns mosteiros ou do próprio Vaticano, com canto gregoriano ou polifonia, para notar que isso é possível. Mas, de verdade, temo que as celebrações corretas sejam as exceções que apenas confirmam a regra. A possibilidade de más celebrações e de profanação da Verdade são mesmo uma janela aberta ao infinito, no Novus Ordo.
Ainda assim, nada justifica a revolta tradicionalista de grupos cismáticos. Por mais justa que a causa pareça, se um Papa lhe roga "pelas Chagas de Cristo" que não faça algo – seja beber um copo d’água, atravessar a rua ou ordenar sacerdotes -, você simplesmente não faz. Prudentia est recta ratio agibilium, já dizia Santo Tomás. A lição é essa. Na dúvida, sempre com o Papa. E Santo Tomás.
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Um comentário:
Pascal Baylon luta com a Igreja militante “não contra homens de carne e sangue” (Ef,VI,12) mas “contra os principados e as potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso”, (Ef,VI,11) sua arma é a vigilância e a oração porque “aquele que perseverar até o fim será salvo” (Mt, XXIV, 13)
In Christo et Maria Semper !
Hilário Magno
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